Emojis têm muito a dizer

Surgidos na virada do milênio, esses símbolos mudaram a maneira como nos comunicamos e continuam sua evolução para traduzir todo tipo de sentimento.





No começo, existia o :-). Depois, veio o . Os emojis são onipresentes, mesmo fora da comunicação digital – expressar os sentimentos em relação a pandemia seria mais difícil sem usar . Mas como isso aconteceu? Esse símbolos, cujo significado é a junção entre “imagem” e “palavra”, foram criados em 1999 por Shigetaka Kurita, então funcionário da companhia telefônica japonesa NTT DoCoMo. Inspirado pelo estilo gráfico dos mangás e por pictogramas como o ⛔ ou ☔, o designer desenvolveu um conjunto de 176 símbolos de 12 x 12 pixels utilizados no serviço de internet mobile i-mode.

Por alguns anos, os emojis ficaram restritos ao país asiático, mais um entre outros sistemas que só eram legíveis por usuários do mesmo sistema comunicacional, como os emoticons do MSN e do ICQ. Isso mudou em 2010, com a inclusão de um conjunto de 722 símbolos na versão 6.0 do Unicode. Controlado pelo consórcio de mesmo nome, o Unicode é um padrão de texto global que busca universalizar a comunicação eletrônica. É ele que possibilita que todos os celulares reproduzam a escrita etíope, bengali e cherokee, por exemplo.


Mas o boom veio mesmo em 2011, após a Apple incluir o teclado de emojis no iOS 5, tornando-os disponíveis para todos usuários do . Os anos seguintes viram a quantidade de caracteres passarem de algumas centenas para mais de 3 mil. As figurinhas originais viraram parte do acervo do MoMA, o museu de arte moderna de Nova York, e a popularidade dos emojis chegou a tal ponto que o Dicionário de Oxford escolheu ” ” como a palavra do ano de 2015.

As estatísticas impressionam. Aproximadamente 5 bilhões de emojis são enviados pelo Facebook Messenger todos os dias. No Twitter, só o já foi usado quase 3 bilhões de vezes, segundo o site emojitracker. O emoji , cuja falta de popularidade foi questionada por Kanye West, foi usado cerca de 4,3 milhões de vezes.

Até Moby Dick, a obra-prima náutica de Herman Melville, ganhou uma versão composta por esses símbolos, Emoji Dick (ou só ” “). Os emojis ficaram tão populares que viraram até filme (ruim) em 2017.

A professora de Letras da UFMG Vera Lúcia Menezes explica que o uso de imagens como complemento à comunicação escrita vem de antes do digital, citando como exemplo as e que serviam de assinatura para cartas e bilhetes. Para ela, os emojis permitem que as pessoas expressem mais efetivamente seu afeto e sinalizem emoções. “Os sinais de pontuação na escrita são insuficientes para representar a entonação e as expressões faciais. Os emojis vieram preencher essa lacuna e adicionaram também a representação dos gestos. Eles tornam a comunicação mais rápida e menos ambígua”, diz.

Em seu trabalho “A Linguagem do Emoji”, Vera organiza os usos discursivos desses símbolos: substituir palavras – como está sendo feito neste artigo –, expressar emoções , indicar afeto , enfatizar emoções e expressar ironia . Em sua sintaxe, normalmente aparecem como substituto da pontuação, mas podem ser encadeados em sequência para expressar pensamentos mais complexos, exemplo de Emoji Dick.

Diversidade

Como o Klingon ( ) e o Esperanto, os emojis são uma linguagem artificial, ou seja, foi criada por algumas pessoas com determinada finalidade, e não desenvolvida espontaneamente. Com o tempo, ela foi evoluindo para se adaptar às nossas necessidades. Se no início os emojis tinham um problema grave de diversidade – a maioria das profissões só tinham opções , os casais eram exclusivamente e tudo era excessivamente , quer dizer, – após reivindicações das empresas e dos usuários as figurinhas ganharam cinco opções de tons de pele em 2015.

Esse processo de aumentar a inclusividade continua até hoje: 2020 aprovou caracteres como a bandeira trans, versões não-binárias dos personagens e o sorriso com uma lágrima no olho, o emoji que melhor define o período. “Esse planejamento é influenciado pelas necessidades dos usuários. Por exemplo, o caso da variação de cor nas diversas representações das mãos. Isso foi feito devido à pressão dos usuários”, explica Vera.

As mudanças tiveram efeitos positivos: um estudo da Universidade de Edimburgo mostra que as pessoas começarem a usar mais os emojis de sua própria cor e sinais como o ✊ viraram símbolos de movimentos como o #BlackLivesMatter. Mas também existem problemáticas, como mostra um estudo de 2019 da Universidade do Alabama.

A decisão pelos cinco tons disponíveis foi fundamentada em um argumento “científico”, a Escala de Fitzpatrick, padrão dermatológico desenvolvido nos anos 1970, focado no uso em pacientes brancos. Da mesma forma, os emojis em outros tons de pele simplesmente sobrepõe sua cor sobre o modelo original, ignorando variações fenotípicas e tomando como padrão o modelo branco. Como os filmes fotográficos e os algoritmos de reconhecimento facial, os emojis, aparentemente neutros, acabando revelando os vieses de sua criação.

Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes.