Na LFW, a roupa justa ganha outros olhares, interpretações e corpos
Jonathan Anderson, Nensi Dojaka, Karoline Vitto, Rejina Pyo e Christopher Kane apresentam novas formas de seduzir, desejar e se sentir desejada com o que se veste.
“Estamos caindo nas telas dos nossos telefones ou nos tornando eles?”, indagou Jonathan Anderson a jornalista, no camarim da apresentação de sua JW Anderson, na semana de moda de Londres. Entre máquinas de videogame e fliperamas, a coleção de verão 2023 do estilista irlandês tem como principal ponto de partida a relação do ser humano com as imagens representadas por nossos gadgets – e até quanto dinheiro se gasta com isso, daí o mood cassino da locação.
Nas roupas, entre as interpretações mais óbvias, estão o vestido oval de metal prateado, os conjuntos de fios metalizados com saias redondas, os vestidos com peças de teclado de computador e as estampas de golfinho e pôr-do-sol, compradas por 1 dólar em um banco de imagem online. Já sob um ponto de vista mais semiótico, a edição do desfile indica a maneira aleatória (e caótica) como somos impactados por imagens. De repente, um “vestido-saquinho-de-peixe”, logo depois, um conjunto de bermuda preta e tricô amarelo, com ombros de fora e cabide como alças.
A pergunta de Anderson é pertinente e deveria ser feita com mais frequência – para vários aspectos das nossas vidas. Especificamente sobre moda, ela ajuda a entender muito do que temos visto nesta temporada meio morna. É que a criatividade parece ter sido substituída ou submetida às métricas e manuais de boas práticas de redes sociais. Ainda assim, e mesmo ameaçada pelos 10 dias de luto oficial pela morte da Rainha Elizabeth II, algumas marcas da London Fashion Week conseguiram manter a máxima subversiva do evento e apresentaram caminhos mais interessantes e até mais carnais.
JW Anderson.Foto: Getty Images
JW Anderson.Foto: Getty Image
Já falamos aqui sobre como o corpo tem conquistado posição de destaque nesta estação. De uma forma generalizada, as silhuetas estão mais rentes à pele, as curvas (e todas elas), mais delineadas e partes que tradicionalmente eram escondidas, agora aparecem sem vergonha.
Claro, aquela noção batida de um look sexy – com roupas justíssimas, comprimentos micro, recortes e aberturas precisas – continua firme e forte. E tudo bem, se você assim quiser. As coleções de alguns nomes bem famosos justamente por isso, como Dundas e David Koma, são bons exemplos dessa vertente
Porém, existem outras possibilidades, outros olhares, outras interpretações. Nensi Dojaka já havia mostrado algumas delas ganhou o prêmio LVMH. Agora, seus vestidos inspirados no mundo das lingeries ganham mais rendas e leveza extra, tornando o produto ainda mais sofisticado – e diferente das várias versões similares que circulam pelo mercado.
Nensi Dojaka.Foto: Getty Images
Karoline Vitto.Foto: Divulgaçåo
Reijna Pyo.Foto: Getty Images
Estreante nas passarelas da LFW, a brasileira Karoline Vitto tem uma marca focada em peças recortadas, pensadas para corpos além dos magros. Nesta coleção, a estilista quis enaltecer dobras e áreas que muita gente costuma esconder. Os looks assimétricos vão desde vestidos midi ajustados até tops combinados a calças e saias. Tudo bem sensual, com detalhes metalizados e para todos os tamanhos.
Aliás, vale dizer aqui que Karoline é uma das principais responsáveis pela nova maneira como muita gente vem explorando a roupa justa e transparente. Esquece o caimento impecável, como se uma peça fosse feita em versão miniatura. Agora, a ideia é de uma tal assimetria, com muito repuxe e costuras sinuosas, como se o item fosse do tamanho errado e a pessoa que o veste pouco se importasse. Alguns exemplos podem ser encontrados nos vestidos e saias arrematados por botões da Rejina Pyo.
Outra forma de desenhar o corpo, com mais referências históricas e verniz de elegância, aparece nos vestidos e looks coluna (nada nostálgicos) da Standing Ground, marca do estilista Michael Stewart. Ou então nos vestidos-camiseta de algodão de Molly Goddard, com penses discretas, lembrando roupas de baixo antigas.
Standing Ground.Foto: Divulgação
Molly Goddard.Foto: Getty Image
Porém, quem melhor soube traduzir as nuances e camadas do sexo, do desejo e da sedução no vestir foi Christopher Kane, num retorno triunfante às passarelas. É verdade que o estilista sempre foi chegado a tais tópicos, trabalhando-os com uma combinação quase única entre o mais puro romantismo, a mais escrachada subversão do dito mau-gosto e a mais devassa perversidade. Para o verão 2023, a principal novidade é a combinação de renda com plástico transparente, tipo aquelas tiras de silicone “invisível” que foi sucesso absoluto nos anos 2000.
Christopher Kane.Foto: Getty Image
Christopher Kane.Foto: Getty Image
A delicadeza, cores adocicadas e desenhos intrincados das rendas dão conta da parte convencionalmente feminina, do que é esperado tradicional e socialmente de uma mulher. Já o material sintético, quando ajustado contra a pele, resulta em diferentes desenhos, alterando silhuetas, deixando marcas, ressaltando volumes e imprimindo um viés fetichista sobre o corpo.
Muitas vezes, as duas frentes se sobrepõem e, dada a transparência de uma delas, fica difícil dizer quem está cobrindo quem. Qual é a verdade, o desejo natural, qual é a fantasia, a cobertura, o que se usa para esconder. Talvez, essa diferença nem seja tão fácil de separar. Podem até ser qualidades interdependentes. Mas aí cada um entende como quiser.
Estreias dignas de menção
Simone Rocha é conhecida por seu trabalho em camadas de tule, coleções românticas com um toque dark e bordados barrocos. Neste verão 2023, pela primeira vez a estilista transportou seus códigos clássicos para uma coleção masculina. A ideia é repensar a masculinidade e seu lugar na moda. Esqueça o que já viu sobre estilo agênero, aquela que usa de elementos minimalistas para unificar os guarda-roupas.
Simone Rocha.Foto: Getty Image
Neste desfile, Rocha explora sua estética hiperfeminina, com laços e babados, para criar looks para eles. Para diferenciá-los, ela combina vestidos midi e camisas alongadas com calças e bermudas, além de transformar suas formas arredondadas em casacos, jaquetas e camisas com volumes frontais. No feminino, ela segue trabalhando seus vestidos curtos fofinhos com profusão de elementos barrocos, com jacquards, bordados e infinitas camadas de tecidos luxuosos combinados de forma a carregar seu DNA.
Chopova Lowena.Foto: Getty Images
Já as estilistas Emma Chopova e Laura Lowena, da Chopova Lowena, estrearam na LFW com uma coleção cheia do caos controlado pelo qual a marca ficou famosa nos últimos anos. Estavam lá os tricôs felpudos, os moletons com desenhos artsy e lúdicas e várias versões das saias pregueadas que são a cara da etiqueta. Feitos a partir de tecidos de descarte, os looks são um grande mix de estampas, referências adolescentes e um toque de rave underground londrina.
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