Entre Balmain e The Row, questões sobre intimidade nos desfiles de Paris

Apresentações intimistas e roupas com aparência de vividas se contrapõem a shows espetaculosos e criações feitas meticulosamente para o entretenimento.





A seda prensada, “o tecido que nunca deveria ter sido inventado”, como brincou o editor de moda Lucas Boccalão, já é uma das principais tendências do verão 2023. É também uma de gosto bem duvidoso, dada a associação do efeito a um estilo de moda festa já bastante saturado, para não dizer desgastado. O material de aspecto amassado, contudo, têm significados outros nesta temporada.

Quem deu a letra, como de costume, foi Miuccia Prada, agora ao lado de Raf Simons. Na semana de moda de Milão, a dupla explorou como os hábitos humanos marcam tecidos, definem silhuetas. Daí as marcas que, normalmente, aparecem depois que uma peça é usada. Aquelas dobrinhas na parte de dentro dos cotovelos, atrás dos joelhos, no ajuste da cintura, sabe? Então, foram reproduzidas artificialmente por meio de recursos de passaderia e prensa quente.

The Row.Foto: Divulgação

Na quarta-feira, 28.09, a The Row, etiqueta das irmãs Mary-Kate e Ashley Olsen, evocou sensação similar por meio de sobreposições, amarrações, dobraduras, pences e aberturas nas mangas de blazers e camisas que vinham amarradas ou enroladas, como se abraçassem o corpo. A apresentação, num salão iluminado com luz natural, focada em peças que se destacam pela qualidade e precisão de corte e dos materiais dos quais são feitas, propõem uma alternativa à cacofonia artificial e espetaculosa que se confunde com a vida real em tempos hipermidiáticos. Sobretudo, lembram de sensações mais pessoais, íntimas até.

Com viés mais poético, Jun Takahashi, da Undercover, apresentou uma coleção sobre feridas, processos de cura e cicatrizes. A desconstrução, tão presente em seu trabalho, aparece aqui na forma de recortes e aberturas, algumas delas sobrepostas a rendas, babados ou arrematadas por rosas, como na camiseta navalhada que correu por um sem número de stories.

Undercover.Foto: Getty Images

Dries Van Noten recorreu à metáfora do florescer de um jardim após um inverno sombrio para marcar seu retorno às passarelas depois de quatro temporadas de apresentações digitais ou estáticas. Com um desfile em blocos – o primeiro todo em preto, depois com tons esmaecidos até explodir em cores, estampas e bordados –, o belga também evoca a sensação de roupas vividas. Em outras palavras, tanto os volumes e drapeados presos com alfinetes de vidro, no início, passando pelas sobreposições de florais, tecidos enrugados até as ricas texturas, remetem a qualidades bastante humanas, 100% abertas a imperfeições.

A sala de concreto, com plateia bem próxima às modelos, com certeza ajudou nessa percepção. Já na Balmain, o espetáculo armado num estádio, com milhares de convidados, teve efeito ambíguo. De um lado, colaborou para a ideia de uma moda mais aberta e inclusiva pela qual o diretor de criação Olivier Rousteing advogada. Por outro, impossibilitou que os presentes pudessem apreciar os detalhes e construção elaborada aplicada numa das melhores coleções da grife nos últimos tempos.

Com estampas de pinturas renascentistas combinadas a plissados, drapeados e à alfaiataria bem estruturada – e a participação de Cher ao final –, o verão 2023 mostra uma ruptura, uma evolução estética no trabalho do estilista. Os looks de alta-costura do final, feitos de cordas e outros materiais de origem natural, apesar de um tanto rígidos demais, caminham no mesmo sentido. Falta só ajustar o entendimento da moda como entretenimento com outro preceito básico do meio: a relação íntima entre roupa e consumidor.

Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes.