A new Bottega Veneta não é só sobre luxo insider, é sobre possibilidades

Na segunda coleção assinada pelo diretor criativo Matthieu Blazy, a marca italiana apresenta algumas das roupas mais desejáveis da semana de moda de Milão, com direito a uma importante mensagem política.





No piso de resina colorida que serviu de passarela para o verão 2023 da Bottega Veneta, lia-se a frase “esta é uma homenagem à diversidade”. O cenário, que contava ainda com 400 cadeiras feitas exclusivamente para apresentação e que serão vendidas na próxima Design Miami, leva assinatura do arquiteto Gaetano Pesce, um dos maiores representantes do design italiano. De início, o match soa esquisito. As obras de cores saturadas e formas abstratas do designer parecem a um mundo de distância da elegância discreta da casa italiana, mais conhecida pelo tal luxo silencioso e pelo slogan “quando suas iniciais são suficentes”. Num nível mais conceitual, o casamento não poderia ser melhor.

A segunda coleção do diretor de criação Matthieu Blazy assume de maneira ainda mais forte a proposta apresentada na temporada anterior: roupas que se adaptam ao estilo, corpo e personalidade de cada um. Em outras palavras, é sobre oferecer um guarda-roupa completo e variado para os consumidores da marca. É uma ideia similar àquela de Phoebe Philo, na Céline, com quem o estilista trabalhou anos atrás, porém sem a estética marcante e facilmente reconhecível. É que nessa new Bottega, quem define o visual é quem usa, não quem faz.

Estamos falando de peças com aparência básica, tipo o look de jeans, regata e camisa de Kate Moss, ou superclássicas, como os vestidos e tailleurs com volumes no quadril. Só que tudo executado com máxima perfeição, maestria técnica e design extremamente atual. Vista apenas por fotos, fica difícil de entender a grandiosidade da coisa toda. Não à toa, o movimento é um conceito bem importante para Matthieu.

Assim como em sua estreia, o designer dá continuidade ao trabalho com couro que não parece couro. Além dos tratamentos que reproduzem a superfície de jeans e de algodão, tem uma padronagem xadrez, típica de alfaiataria, e uma impressão como de malha mescla. As franjas também seguem como detalhes importantes para sugerir a noção de dinamismo. Já os volumes arredondados nas costas, agora, são trabalhados como uma espécie de barbatana nas calças. E tem ainda os jacquards, com uma série de estampas e texturas em vestidos franjados e ternos que abraçam os ombros e se alargam sutilmente no corpo abaixo.

É um tipo de luxo bem raro atualmente. Ele não se impõe com logos, silhuetas ou com um estilo que se sobrepõe ao de quem veste aquelas roupas. Tem a questão dos conhecedores, de ser algo que só poucos entendem ou percebem, só os insiders. Boa parte do marketing tem a ver com isso, mas ficar preso a isso seria uma interpretação simplista. O real valor está nos princípios básicos do design, aquele de resolver problemas de maneira funcional. E isso inserido num mundo de vontades pré-fabricadas, desejos calculados e estilos mimetizados em larga escala.

De maneira excepcional, o trabalho de Matthieu se alinha a uma vertente pouco valorizada na moda de agora de criações que não se encerram em si próprias (e, portanto, tendem a ir na contramão do que é like garantido). Existe uma maior abertura para expressões e interpretações de terceiros (no caso, daqueles que podem pagar por elas). Nas palavras do próprio estilista, “não estamos criando apenas para uma mulher ou um homem, mas para mulheres e homens”. Para ele, é um movimento entre o arquétipo e o individual, através de roupas e personagens.

Bottega Veneta.Foto: Divulgação

Bottega Veneta.Foto: Divulgação

Bottega Veneta.Foto: Divulgação

As peças da Bottega Veneta podem não ser tão visualmente expressivas como as obras de Gaetano Pesce, mas se conectam a elas pela liberdade de expressão e pela individualidade. “Trata-se do ser humano, nós somos todos diferentes. Pessoas que dizem que somos todos iguais – fodam-se elas! Somos todos diferentes e esta é a qualidade que nos define, caso contrário, somos apenas uma cópia”, disse o arquiteto.

De certo modo, identidade foi um tema recorrente na semana de moda de Milão. Estava lá na nova Ferragamo, sob direção criativa de Maximilian Davis, nas interpretações de modelos dos anos 1990 da Versace, na seleção de peças vintages da Dolce & Gabbana por Kim Kardashian, na constância de Giorgio Armani, nos gêmeos da Gucci e da Sunnei, e na redução estética da Prada. Em níveis diferentes, umas mais cabeçudos, outras mais comerciais, todas as coleções esbarram em questões ou valores ameaçados por conjunturas sócio-políticas em atividade.

Bottega Veneta.Foto: Divulgação

Bottega Veneta.Foto: Divulgação

Bottega Veneta.Foto: Divulgação

No domingo, 25.09, a Itália realizou eleições parlamentares, cinco anos após a última delas. Enquanto este texto era escrito, as apurações indicavam que a coligação de direita liderada pela sigla Irmãos da Itália devia ser a mais votada. Se confirmado o resultado, o caminho para a nomeação de Giorgia Meloni como primeira-ministra é praticamente certo, tornando-a a primeira política de extrema direita a assumir o parlamento italiano desde Mussolini.

Se você quer se vestir com a última tendência viralizada no TikTok, com um modelo vintage da década de 1990, ou simplesmente criar um visual que tem a ver com você e só você, tudo isso tem a ver com liberdade. E isso é algo que parece ser cada vez mais caro. Acontece que essa compra não é feita no caixa da sua loja favorita, é feita todo dia e, mais ainda, em dias de eleições.

Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes.