Minha doce casinha: movimento tiny house cresce no mundo
Viver com menos e em espaços reduzidos virou o sonho de muita gente – uma tendência que dá um chega pra lá no consumo excessivo e propõe um viva ao minimalismo.

Sente-se na sala da sua casa, respire, olhe ao redor e pense. Se você tivesse que se mudar amanhã para um espaço de 25 m² – algo como dois quartos de um apartamento pequeno somados – o que você levaria? E, mais importante, o que descartaria? Seria capaz de viver com menos roupas? Encolheria a quantidade de cosméticos? De louças? Abandonaria sua coleção de discos de vinil? A verdade é que talvez você tivesse que desapegar de boa parte de tudo isso e de mais um pouco para encarar a mudança. Uma mudança que não é só de espaço, mas de estilo de vida. A pergunta é o ponto de partida para quem pensa em morar em uma tiny house – casinha, ou casa minúscula em inglês, que tem, em média, esse tamanho. Ficou na dúvida? Risque no chão, com giz, um retângulo de uns 10 m por 2,5 m. É um jeito divertido de imaginar o tamanho da brincadeira.
O movimento começou no finzinho dos anos 1990 nos Estados Unidos e ganhou força com a crise econômica que chacoalhou o país a partir de 2008. Com o mercado imobiliário regido por uma legislação dura, que proíbe habitações improvisadas, hipotecas se transformando em dívidas altas e taxas exorbitantes, a construção de tiny houses surgiu como uma saída perfeita para os estadunidenses endividados. Uma solução que acabou se espalhando pelo planeta. “Construir uma casa e legalizá-la é um processo caríssimo, que pode envolver financiamentos de até 30 anos. As pessoas acabam de pagar quando chegam aos 60 anos. Na Austrália, as tiny houses seguem a legislação dos motorhomes e não precisam de aprovação das subprefeituras, um processo burocrático e custoso”, conta Thiago Marega Perrone, brasileiro que vive há quase 14 anos no país, onde comanda, junto com o sócio, a Aussie Tiny Houses, que fabrica casas com área entre 11,52 m e 20,16 m², em 12 modelos diferentes. “A tiny house eliminou todos os custos extras, com uma proposta de vida mais simples. Você gasta menos com moradia e guarda dinheiro para realizar outro projeto: viajar ou até mesmo economizar para comprar uma casa tradicional”.
Aussie Tiny Houses
Modelo da Aussie Tiny Houses com 17 m² de área.
Foto: Divulgação
A cozinha, onde se concentra a maior parte dos armários, deve ser um cômodo estratégico na casa.
Foto: Divulgação
Madeira e cores claras aumentam a sensação de amplitude no ambiente.
Foto: Divulgação
A economia é um aspecto forte da novidade. Com um mercado de trabalho cada vez mais acirrado e competitivo e dando mais importância para a experiência do que para a posse de bens, as gerações mais jovens não colocam no radar a possibilidade de se amarrar por anos em um financiamento para ter uma casa própria. O desejo de uma vida mais enxuta e sustentável, em que o desapego é a palavra-chave, é o outro lado dessa moeda. Não é à toa que essas moradias, que mais parecem casas de boneca, mexem tanto com o imaginário e provocam um certo encantamento.
O assunto rendeu série (Movimento Tiny House, que já está na quarta temporada, duas delas disponíveis na Netflix), tem virado opção de hospedagem via Airbnb mundo afora e seduziu duas empresas incensadas no mundo do design e da decoração. A japonesa Muji criou a Mujihut, uma cabana de madeira de 9 m², feita de cedro e pinho, com técnicas tradicionais da construção naval japonesa. Cada unidade custa 3 milhões de ienes (cerca de 156 mil reais) e pode ser colocada em qualquer lugar à escolha do cliente. Uma grande porta de vidro corrediça amplia a iluminação e a ventilação naturais, enquanto o pé direito alto e a varanda garantem a sensação de um espaço maior, suficiente para quatro pessoas relaxarem.
Muji
Mujihut, a cabana de 9 m² da japonesa Muji.
Foto: Divulgação
A estrutura da cabana é feita de cedro e pinho, com técnicas de construção naval.
Foto: Divulgação
Cada cabana custa cerca 3 milhões de ienes (cerca de 156 mil reais).
Foto: Divulgação
Já o braço estadunidense da sueca Ikea, especializada em mobiliário acessível, apostou na ideia como uma jogada de marketing. Junto com a agência de mídia Wavemaker e a Vox Creative, criou o programa Tiny Home. Uma equipe da marca rodaria pelos Estados Unidos em uma minicasa móvel, mostrando o impacto de pequenas decisões diárias para um mundo melhor. Com a chegada da pandemia, o tour não chegou a sair, mas o projeto se transformou em uma experiência virtual, em que era possível conhecer online a casa por dentro.
O minimalismo e a sustentabilidade também são pontos centrais no projeto de vida do casal Robson Lunardi e Isabel Albornoz (que aparecem na foto que abre a reportagem, com o filho João Pedro), criadores do blog Pés Descalços, onde contam um pouco da guinada que deram em suas trajetórias – de profissionais estressados, que enfrentaram a síndrome de burnout trabalhando 14 horas por dia anos a fio, a adeptos da yoga, da meditação, da alimentação saudável, pais de duas crianças e moradores de uma tiny house sobre rodas, de 27 m².
Quando se interessou pela possibilidade de morar em uma tiny house, a dupla percebeu que não havia tecnologia nem expertise à disposição por aqui. Então, arrumaram as malas e passaram uma temporada nos Estados Unidos, entre Washington e Orlando. Robson fez um curso focado em técnicas de construção. E Bel, que ainda relutava em aceitar a ideia da mudança, mergulhou em aulas com mulheres que haviam feito suas próprias tiny houses, e voltou decidida. “Aos poucos, entendemos que não era só uma casinha, mas um estilo de vida, um espaço compactado, multifuncional, mais sustentável e minimalista”, diz Robson.
Resultado: eles foram os precursores do movimento no Brasil e encontraram parceiros que embarcaram na aventura de construir a tão sonhada tiny house deles. Hoje, dão consultoria sobre o tema e mantêm o projeto Colibri, que pretende erguer minicasas como moradia de baixo custo para pessoas em situação de vulnerabilidade. “O movimento tiny house não é sobre o espaço, mas sobre como você o utiliza. É um estilo de vida que estimula a maximização do convívio e a ética social.”, diz Robson, lembrando que nas casas tradicionais é muito comum que cada um fique isolado em um cômodo interagindo muito pouco – algo que não tem chance de acontecer no caso deles.
A tiny house do casal está estacionada – por enquanto – em uma cidade do interior de São Paulo. Os dois costumam dizer que tudo de fundamental, de cada um na família, deve caber em uma mochila. E são a prova de que viajar leve é libertação. Quer jeito melhor de estar pronto para… viver?!
Todo mundo juntinho
Robson e Isabel, do blog Pés Descalços, com o filho João Pedro e os cachorros da família. A caçula ainda não havia nascido na época da foto.
Foto: Arquivo pessoal
A sala da casa sobre rodas.
Foto: Arquivo pessoal
O quarto das crianças.
Foto: Arquivo pessoal
Para não passar aperto
12 dicas importantes para quem pensa em morar em uma tiny house
- O primeiro passo é uma sessão hard core de desapego. Livre-se de tudo que não for essencial.
- Defina o que é prioridade para você: receber amigos, cozinhar, home office… As respostas vão definir a organização dos espaços.
- Cores claras e decoração clean ampliam a sensação de amplitude e conforto.
- Tudo tem um lugar definido. Por isso é importante pensar onde cada objeto vai ser guardado, seja uma guitarra ou um liquidificador.
- O mesmo cômodo tem várias funções: uma sala pode virar home theater, home office, espaço para as crianças brincarem ou quarto de hóspedes.
- A posição da cozinha é uma das mais importantes no projeto, já que ela vai abrigar a maior parte dos armários. Em geral, há apenas um fogão de duas bocas. Mas não se desespere. Quantas vezes na vida você usou quatro bocas ao mesmo tempo?
- Nada de espaços mortos. Cada cantinho deve ser otimizado com armários inteligentes, nichos, gavetas e organizadores articulados.
- Dobre o tamanho da casa com um deque do lado de fora. Isso cria outro ambiente. É como uma sala de estar externa.
- Acostume-se com a ideia de subir uma escadinha para acessar o quarto no mezanino. Diferentemente das escadas comuns, ela pode ser mais íngreme e com espaço menor entre os degraus.
- Janelas grandes, numerosas e bem localizadas maximizam a luminosidade e a ventilação naturais. Se a casa for sobre rodas, sempre se pode manobrá-la para conseguir uma insolação maior.
- Sustentabilidade faz parte do pacote. Considere o uso de uma composteira para o lixo orgânico, de um banheiro seco, que não gere esgoto, e de placas para captar energia solar. Se usar energia elétrica, basta conectar a casa em um quadro de luz ou até mesmo em uma tomada em um posto de gasolina.
- Para o abastecimento hidráulico, uma boa saída é o sistema off grid, que filtra água de um poço ou de um lago e, por meio de bombas, faz a distribuição pela casa.