Trap, estilo e estética
Conversamos com artistas do gênero em diferentes momentos de suas carreiras para entender a complexa e instigante estética do trap brasileiro.

Há seis anos, o polêmico e bem sucedido rapper Raffa Moreira apresentou uma estética diferente do que se via naquela cena musical de 2014. Soltando um single atrás do outro, todos acompanhados de clipes no YouTube, os novos beats anunciavam um descolamento das sonoridades vigentes. Era também o início de um flerte com o trap internacional, gênero do hip-hop desenvolvido desde os anos 2000 e com a cidade de Atlanta, nos EUA, como seu grande berço.
As batidas do trap são carregadamente eletrônicas, variando entre 90 e 140 bpm, com o grave característico da bateria dos sintetizadores 808 e uma lírica bem assertiva. No Brasil, já existiam beats sendo desenvolvidos nessa linha, como o do grupo Dirth South. Ainda assim, sua progressão de rimas ainda estava muito amarrada à escola do rap. Quando Raffa chegou, houve rejeição e memetização intensa da sua figura — o que ele amou. Como ninguém, o trapper soube usar essa publicidade para continuar lançando singles e impressionando quem chegava no seu canal querendo entender uma piada e encontrava o princípio do que viria a ser uma cena musical multifacetada e incrivelmente talentosa. Essa foi a mola impulsora do nosso trap.
Pulando alguns anos na linha do tempo, em 2018, o maior coletivo de trap do país, a Recayd Mob, publicou no seu canal do Youtube o single “Plaqtudum”, hoje já com mais 100 milhões de visualizações. Naquele mesmo ano, aconteceu o lançamento de Elevate (2018), primeiro álbum do Sidoka, um dos trappers mais relevantes do momento e personagem extremamente cativante. A terceira faixa deste trabalho, “Papelzinho”, deixa nítido como quatro anos foram mais do que suficientes para virar toda a cena de cabeça para baixo.
Hoje, todos os memes, piadas e ataques online de 2014 podem (e devem) ser vistos pelo que realmente são: a insegurança perante o novo. A lista de preconceitos é interminável e, num geral, desinteressante, mas uma das posturas negativas em relação ao estilo é violentamente equivocada: subestimar a estética do trap brasileiro.
O Trap e a ostentação de resistência
A relação da moda com o hip-hop vem desde muito antes dele chegar ao mainstream. Suas conexões remontam aos anos 1980, quando os primeiros beats começaram a ganhar as ruas de Nova York, principalmente no Harlem — bairro também de um dos alfaiates mais icônicos desse movimento, o Dapper Dan. Em 2020, a criação e ressignificação de símbolos estéticos dessa escola musical já são uma espécie de autoridade popular.
Como mais um gênero musical derivado do hip-hop, o trap não escapa desse contexto. No mundo todo, a moda está presente nas rimas, na personalidade e no universo estético de cada artista trapper. A forma como cada um se veste torna-se, rapidamente, sua assinatura. No Brasil, por exemplo, a inserção de marcas de luxo no imaginário dos trappers é algo bem evidente. Balenciaga, Louis Vuitton, Lacoste, Saint Laurent e Versace são as mais mencionadas. E isso compõe um dos três pilares da estética do trap, a ostentação.
Porém, antes de mais nada, convém explicar que ostentação não é sinônimo de alienação. Marcas, logos e etiquetas há tempos são significadores de classe e pertencimento — na moda e no mundo. Vestir uma roupa de determinada label pode indicar status social, conhecimento de causa ou ser porta de entrada para grupinhos seletos e excludentes. Porém, quando falamos disso em um contexto de luta contra o racismo estrutural, a história é um pouco diferente.
Ostentação na voz e corpo de quem é excluído sistematicamente de uma visão de humanidade e ascensão econômica é revolta. É uma rasteira no sistema racista e na herança colonial que vigora até hoje. O que realmente significa ostentar marcas de lojas que não te deixam entrar? Vale a pena dar dinheiro e cantar sobre um mundo que não quer ter você como parte dele? Dentro do conceito de “black money” existem longas e complexas discussões sobre quão produtivo é financiar marcas historicamente racistas.
Membro do selo Recayd, Dfideliz se debruça sobre essa questão em dois momentos no single “Preto Todo de Ouro”. No primeiro ele diz: “Você se assusta se ele [homem preto] usa terno, o mais normal é ele tá armado/ Só que ser rico hoje tá facinho, na real eu que mudei esse fato”. O segundo vem em: “Só que para, pensa e vê: um ano atrás eu não era ninguém/ Me dá maior raiva de ficar famoso, que só aí que eu virei alguém”.