Quem é quem na Revolução dos Bichos
Após 75 anos de sua publicação, a fábula de George Orwell continua mais atual do que nunca. Em que servem os arreios agora?

O livro A Revolução dos Bichos foi publicado em agosto de 1945. Poderia ter sido publicado na semana passada. Poderia ser quadro cômico no Fantástico, editorial de jornal, fonte infindável de memes. Em 75 anos desde seu lançamento, a fábula política e os personagens de George Orwell nunca deixaram de ser atuais, o que não diz muita coisa de bom sobre a nossa sociedade.
Volta e meia, Orwell é citado como autor de cabeceira por militantes de direita e até de extrema-direita, que o consideram um arauto do anticomunismo e crítico feroz da esquerda. Calma lá. É fato que A Revolução do Bichos foi inspirada na Revolução Russa de 1917 e na escalada autoritária que se viu nos anos subsequentes à tomada de poder pelos bolcheviques. Daí a chamar Orwell de antiesquerdista é desconhecer a biografia desse autor.
Nascido na Índia, em uma família britânica, George Orwell foi bolsista do Eton College, um dos mais prestigiados colégios da elite inglesa. Depois de formado, serviu por cinco anos na Polícia Imperial da Índia, na Birmânia (hoje, Myanmar). Não gostou da experiência, voltou-se contra o imperialismo britânico e resolveu virar escritor. Viveu na pindaíba até a carreira começar a decolar, em 1934. Dois anos depois, recém-casado, Orwell alistou-se como voluntário, juntamente com a mulher, na Guerra Civil Espanhola. Foi combater nas fileiras do POUM (Partido Operário de Unificação Marxista), de orientação trotskista, e quase morreu ao tomar um tiro na garganta. Com a ascensão dos comunistas bancados pela URSS (que seriam posteriormente derrotados pelos franquistas), os trotskistas passaram a ser perseguidos na Espanha. Orwell e a mulher conseguiram voltar para a Inglaterra, mas perderam vários amigos.
No prefácio escrito para a versão em ucraniano de A Revolução dos Bichos, de 1947 (reproduzido na edição da Companhia das Letras), o escritor relata o seguinte: “Tanto minha mulher como eu vimos gente inocente ser atirada na prisão só por suspeita de desvio da ortodoxia. No entanto, quando voltamos à Inglaterra, encontramos muitos observadores sensatos e bem informados que acreditavam nos relatos mais fantasiosos – envolvendo conspirações, traição e sabotagem – que a imprensa fazia dos processos de Moscou. E assim compreendi, mais claramente que nunca, a influência negativa do mito soviético sobre o movimento socialista ocidental.” No mesmo texto, Orwell informa que escreve com regularidade para o Tribune, semanário sociopolítico que “representa a ala esquerda do Partido Trabalhista”.
A fábula sobre bichos da fazenda que se revoltam contra a exploração do homem, tomam o poder e, em pouco tempo, veem seus líderes chafurdarem em privilégios que antes condenavam – e reprimirem violentamente qualquer forma de oposição – foi o caminho escolhido por Orwell para apontar os abusos da ditadura soviética. Mas, após 70 anos da morte do autor, é fascinante (e assustador) constatar como essas descrições poderiam representar tantas figuras atuais. E como governos populistas e regimes totalitários se parecem, seja qual for o espectro político. Trocando uma ou outra palavra, os bordões disparados pela bicharada poderiam ser hashtags nos trending topics do Twitter. Em quem serve a carapuça – ou os arreios –, vai da interpretação de cada um. A seguir, conheça ou relembre alguns dos personagens do livro. Contém spoilers.