Bolinhos honestos de lentilha com cogumelo
Evite frustrações: não tente seduzir adolescentes carnívoros com promessas de hambúrguer vegetariano.

No prato, tudo é uma questão de expectativa. Sigo sempre essa máxima e, graças a ela, saio geralmente muito satisfeita de restaurantes por quilo que dão gelatina de cortesia (torço muito para que consigam sobreviver e se adaptar à era pós-corona). E também já me decepcionei outras tantas vezes em casas bacanudas, mais vistosas do que gostosas. Mas não é que, mesmo sabendo dos perigos das promessas exageradas, cometi o deslize na minha própria cozinha? Esta coluna, portanto, não é sobre um erro no modo de preparo – trata-se de uma derrapada na hora de vender o peixe.
Já faz algum tempo que estou numa cruzada para convencer o pessoal aqui em casa a comer menos carne. Não tenho a pretensão de transformar ninguém em vegetariano, nem eu mesma, mas por motivos de sustentabilidade, de saúde e de preço do contra-filé, tenho tentado mostrar para a família que uma refeição sem bife, frango ou peixe pode ser, sim, uma refeição completa.
Em uma tentativa recente, pesquisei receitas de hambúrguer vegetariano, apostando no sucesso absoluto que o sanduba faz na ala jovem. Leguminosas, como lentilha, são sempre uma boa pedida para garantir a proteína no prato. Cogumelos acrescentam textura, sabor e mais proteína. Páprica defumada é um ingrediente recorrente nessas preparações – para dar um toque de fumacinha que remete a churrasco e carne, creio eu. Achei boa ideia, incluí a páprica defumada e também cominho, que combina com lentilha. Em vez de maionese, servi com iogurte temperado e ainda comprei pão da hamburgueria concorridíssima do lado de casa. Até que ficou um hambúrguer bonitão. E saboroso também.
Não adiantou nem o pão da hamburgueria hypada: o hambúrguer de lentilha não convenceu.Foto Patricia Oyama
Ganhei elogios? Que nada. Só críticas. Comeram de má vontade, reclamando que estava desmanchando e que “aquilo não era hambúrguer”. Achei desaforo, mas tive que concordar que a textura ficou muito mole no centro.
No dia seguinte, numa nova investida, resolvi o problema da textura com o acréscimo de um ovo na mistura e mudei a estratégia. Modelei a receita em porções menores, fritei no azeite e anunciei: hoje para o almoço tem bolinho de lentilha. Não vieram tão empolgados para a mesa, mas quando experimentaram os tais bolinhos ficaram agradavelmente surpresos. Comeram todos. Acharam bom. E eu concluí que comida, assim como a gente, não deve tentar fingir ser o que não é.
Patricia Oyama, jornalista, é editora de lifestyle da ELLE e se corta com certa frequência na cozinha.