Espetáculo “Graça” funde corpos distintos e invisibilizados no palco

Bailarinas da Companhia Giradança, do Rio Grande do Norte, apresentam em Curitiba o primeiro trabalho em parceria com a coreógrafa Elisabete Finger.





Três mulheres com vivências diferentes. Três corpos completamente distintos, que não aceitam papéis preestabelecidos. No palco, eles se unem em uma coreografia que os torna permeáveis, deixam-se dissolver uns nos outros. Essas imagens quase mitológicas serão performadas pelas bailarinas da Companhia Giradança no espetáculo Graça – Uma economia da encarnação, na Casa Hoffman, neste sábado (15.01), em Curitiba (PR). A obra marca a primeira parceria do grupo com a coreógrafa paranaense Elisabete Finger e foi contemplada este ano com o prêmio Rumos Itaú Cultural.

Fundada em Natal, Rio Grande do Norte, há 18 anos, a Companhia Giradança tem como característica mais emblemática o encontro de corpos com e sem deficiência em contexto coreográfico. Graça é estrelado por três bailarinas: Ana Vieira, uma mulher branca e alta, Jânia, uma mulher anã e preta, e Joselma, uma mulher gorda e cega.

“Há alguns anos, conheci o Giradança em um festival e fiquei muito impactada com o trabalho. Depois disso, começamos a nos encontrar em outros eventos de dança contemporânea e foi surgindo naturalmente uma admiração mútua e uma vontade de criarmos algo juntos”, conta Elisabete, que desde 2021 vive em Berlim, na Alemanha, como artista associada à HZT/UdK e bolsista da Martin Roth Initiative.

O convite para a parceria com o Giradança veio por meio de Alexandre Américo, atual diretor artístico da companhia. Ele conta que queria desenvolver uma coreografia só com as mulheres do grupo e, para essa pesquisa essencialmente ligada ao feminino, era fundamental ter uma mulher na concepção. “A sensibilidade e o poder visual dos trabalhos da Bete iam de encontro ao que buscávamos. Além disso, sabíamos que com ela iríamos extrapolar a temática da deficiência e abrir possibilidades para que outras histórias e narrativas fossem criadas. Foi exatamente o aconteceu com Graça”, diz o diretor.

Joselma Soares (à esq.), Ana Vieira (no centro) e Jânia Santos (à dir.): as bailarinas também são co-autoras do espetáculo.Foto: Brunno Martins

O livro Ideias para adiar o fim do mundo, do pensador indígena Ailton Krenak, o exposição Desobediências Poéticas, da artista portuguesa Grada Kilomba, que reconta histórias míticas gregas com corpos pretos, e um passeio por Florença, na Itália, observando suas gigantescas esculturas, que encarnam narrativas mitológicas, foram as inspirações iniciais para a criação do espetáculo, conta Elisabete. “De alguma forma, eu tinha vontade de colocar tudo isso junto: histórias do mundo que adiariam o fim do mundo, estátuas com narrativas diversas e mitologias contadas em primeira pessoa pelo trio de bailarinas-criadoras”, diz.

A leitura de narrativas mitológicas tanto gregas quanto iorubá, a observação de esculturas conhecidas, como a “Pietá”, de Michelângelo, de pinturas consagradas, como “A Primavera”, de Sandro Botticelli (quadro que traz a imagem das chamadas “Três Graças”, uma das referências que inspiram o título da coreografia) e também a pesquisa de imagens femininas na publicidade, nas revistas, e fotos das próprias bailarinas serviram de matéria-prima para a criação dos movimentos.

Assim como Américo, as três bailarinas que protagonizam o espetáculos também são co-autoras da obra. “Fomos brincando com essas imagens estáticas, criando outras possibilidades e imaginando novos passados e futuros para elas, encarnando tudo isso com nossos corpos e vivências. A Elisabete nos deu muita liberdade para criarmos nossas automitologias”, conta Ana Vieira.

“Naturalmente, se estabeleceu uma dança circular e milimetricamente marcada, o que acabou trazendo a ideia de tempo, de jornadas sendo desenvolvidas e de um movimento que não pára e segue podendo ser reinventado”, explica Elisabete sobre o projeto, que nasceu primeiro em formato audiovisual para, somente neste ano, com a premiação, ganhar os palcos.

A ausência de uma trilha sonora incidental também é uma característica marcante de Graça. Os sons que embalam a dança vêm da respiração marcada das bailarinas, do barulho das bolas de plástico manipuladas no palco, de seus risos e das sílabas e palavras emitidas por elas e que não necessariamente são compreendidas pelo público. “O espectador pode não entender o que elas estão falando, mas é importante que entendam que essas fêmeas estão falando, elas têm o que dizer”, diz a coreógrafa.

Outro destaque é a pintura corporal lilás e vermelha complementando o figurino simples (todas vestem shorts esportivos). Usar essas pinturas corporais já é uma marca de alguns trabalhos de Elisabete. Nesse caso, ela queria que a pintura trouxesse uma conexão visual entre essas três mulheres de almas e corpos tão distintos. “Em cena, elas seguem juntas, sendo diferentes, o que é lindo e potente”, completa Elisabete.

Além da apresentação em Curitiba, Graça será apresentada também na Bienal Internacional de Dança do Ceará, em Fortaleza, no dia 27 deste mês, no Teatro Dragão do Mar. Há também planos para voltar a São Paulo, onde estreou em abril deste ano, ainda em 2022.

Graça – Uma economia da encarnação
Dia 15 de outubro, às 20h, no festival #contémdança, na Casa Hoffmann, R. Dr. Claudino dos Santos, 58, São Francisco, Curitiba. Os ingressos são gratuitos e podem ser retirados no site/app da Sympla.

Dia 27 de outubro, às 20, no Teatro Dragão do Mar, R. Dragão do Mar, 81, Praia de Iracema, Fortaleza. Os ingressos são gratuitos e podem ser retirados no site/app da Sympla.

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