A sabedoria por trás do orgasmo feminino

Na coluna Prazer Sem Dúvidas, Clariana Leal responde às dúvidas mais frequentes do nosso público. Neste texto de estreia, ela fala sobre orgasmo feminino.





Nosso corpo carrega uma magia tão potente, que, por muitas vezes, ela se confunde com mistério, algo oculto, para poucos, ou melhor, para poucas. Mas não precisa e nem deve ser assim. Nesses anos todos trabalhando com educação sexual, nada me encantou mais do que trazer para luz essa potência, contar para o máximo de mulheres o que o corpo delas é capaz de fazer, e mostrar quais são esses atalhos e acessos para alcançar o mais bonito que podemos experienciar.

Meu nome é Clariana Leal e, além de educadora sexual, sou sócia da Climaxxx, a primeira sex shop focada no prazer feminino no Brasil. São alguns anos trabalhando para fazer a vida de pessoas, principalmente as com vulva, mais prazerosa, e sem querer – mas querendo –, descobrindo no meu próprio corpo novas formas de sentir. Como essa coluna tem, para além da vontade de informar, uma construção na base do diálogo, o início dela já aconteceu por meio do instagram da ELLE, onde pude conversar com seguidores e responder diretamente algumas questões sobre a sexualidade. Em meio a muitas dúvidas importantíssimas e respondidas da forma mais leve possível, escolhi uma, que com certeza já rondou a cabeça de muita gente, para me aprofundar ainda mais aqui. E assim seguiremos todos os meses, combinado?

A pergunta era “Mulheres têm orgasmo vaginal e pelo clitóris? Como isso funciona?”, e minha resposta, da maneira mais resumida possível é: Sim e não. Mas me explico: todo o orgasmo de quem tem clitóris acontece no clitóris! Esse é o único órgão no corpo humano feito só para dar prazer. É como se fosse um bônus da natureza. E, além de possuir essa função per-fei-ta, ele tem uma estrutura complexa, rica em inervações e sensibilidade, bem maior do que aquela pequena pérola que conseguimos ver e tocar na área externa da vulva. Essa pontinha do iceberg, na verdade, é apenas a glande do clitóris, que assim como o pênis é feita de tecido erétil, e aumenta bastante de tamanho durante a excitação.

Se você chegou até aqui e não fazia a menor ideia disso, aqui está uma ilustração retirada de um livro de anatomia que mostra detalhadamente como o clitóris é por completo, e como ele é mais semelhante ao pênis do que muitos de nós imaginávamos. Mas engana-se quem acha que ele é apenas uma versão menor ou inferiorizada. O clitóris tem o dobro de terminações nervosas (8 mil, enquanto o pênis tem 4 mil) e, como eu já disse anteriormente, é feito só para dar prazer! Não existe uretra acoplada, nem nada, é só 100% amor mesmo.


Imagem do artigo “Anatomy of Sex: Revision of the New AnatomicalTerms Used for the Clitoris and the FemaleOrgasm by Sexologists”

Agora, voltando à pergunta inicial “Como funciona?”. Bom, essas “perninhas” que vemos ali no corpo do clitóris envolvem o canal vaginal, então quando nos estimulamos o suficiente (e esse suficiente só você vai saber quanto é), tudo ali se expande e cresce. O clitóris bombeia cerca de 300 ml de sangue até ficar ereto, passando essa sensibilidade também para o canal vaginal, tornando assim possível o orgasmo por meio da estimulação interna. Então, sim, podemos ter orgasmos estimulando a parte interna ou externa do clitóris. Nossa vagina sozinha não poderia ter essas maravilhosas 8 mil terminações nervosas em suas paredes, justamente porque ali também é uma via de parto, por onde saem os bebês, e que se fosse tão sensível assim, a dor do nascimento ia ser impraticável. O corpo é muito mais sábio do que imaginamos. Existe uma tecnologia, ciência, arquitetura e design que nem os humanos mais inteligentes conseguiriam refazer com tamanha sagacidade.

A necessidade de comparar e de até hierarquizar nossos orgasmos tem uma história que começa há muitos séculos e que persegue nosso imaginário e nossos desejos até hoje. A marginalização e inferiorização de um órgão tão potente surgiu também pelo medo do quanto essa potência pode diminuir ou até retirar o poder de quem quer possuir o controle de tudo, inclusive dos nossos corpos.

Então, antes da gente encanar com qual tipo de orgasmo é o certo ou o melhor, primeiro vamos aprender com a sabedoria que habita dentro de nós que o corpo de cada um tem seu próprio tempo. Essa excitação pode ser construída em poucos minutos ou precisar de horas, e tá tudo bem. O orgasmo pode vir da estimulação interna ou externa, e de até outras partes do corpo, e tá tudo bem. Tudo é questão de conhecimento de si, de presença e de carinho com seus próprios sentidos. Então, sinta, querida ou querido leitor, primeiro a gente se permite sentir, e só depois buscamos as explicações racionais e biológicas para tanta movimentação maravilhosa que é capaz de acontecer aqui dentro.

Clariana Leal é educadora sexual e carrega como propósito a abertura honesta e inclusiva do diálogo sobre sexo, desejo e corpo. Ela é também sócia da primeira sex shop brasileira 100% focada no prazer feminino. Na sua coluna Prazer sem dúvidas, vai responder mensalmente as dúvidas do público da ELLE pelo Instagram e também aqui no site.

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