Criativos indígenas: é urgente descolonizar a indústria da moda

Artistas, criativos, formadores de opinião e profissionais da moda falam sobre a importância da representatividade indígena.





Certa vez, uma colega de trabalho me disse que “essa coisa de ativismo na moda” era bobeira. “Day, pare de discutir esses assuntos, poste os looks do dia, você é tão criativa”, dizia ela. Respondi rindo que ela achava bobeira porque era branca, loira, com olhos azuis e morava na Barra da Tijuca, e continuei explicando que crescer sem referencial e abrir revistas na esperança de encontrar uma garota parecida não era bobeira. Afinal, nunca nos enxergamos nesses espaços, e precisamos lutar até hoje para agências contratarem modelos indígenas, falar sobre a importância de capas, castings para editoriais, campanhas, publicidades, desfiles etc. Quando perguntei a ela com quantos indígenas ela já havia trabalhado, ela me respondeu bastante surpresa que só havia trabalhado comigo, a única profissional indígena que havia conhecido. Depois desse papo, essa colega de trabalho mudou sua postura e decidiu contribuir para que minhas reflexões ganhassem mais alcance no nosso meio. Compartilhando e divulgando os conteúdos que eu criava, ela se tornou uma aliada.

A verdade é que se não nos posicionarmos nada mudará — e se algo tem mudado é exatamente por estarmos em constante movimentação. Há questões que parecem besteira para quem cresceu com diversos rostos semelhantes ocupando todos os espaços de privilégio, mas que causam dor e indignação para quem nunca se viu representado.

A nossa verdadeira história não foi contada nos livros e ainda sofremos com os efeitos eurocêntricos e influências de padrões externos. Precisamos refletir sobre produções autorais que permeiam representatividades e intensificam movimentos artísticos decoloniais. Nossa arte indígena carrega histórias e simbologias significativas, não é apenas estética. É uma narrativa cheia de memória que precisa ser contada por nós mesmos. Por muito tempo, nós não fomos os autores, mas, atualmente, essa é uma das nossas estratégias: lutar contra estereótipos que nos esmagam.

“Ainda há muito essa visão de que os indígenas são apenas aqueles representados pelos livros didáticos escolares, como parte de uma história muito antiga do país, mas que hoje possuem pouca relevância”, diz a atriz e cantora indígena
Elisama Ribeiro. “Me dói quando se referem a populações originárias em tons que se assemelham a de grupos animais vivendo na floresta. Não são tons respeitosos. Apesar de ter sido referida em tons elogiosos devido aos meus traços indígenas, me questiono o porquê de não ver traços do gênero incluídos nas representações da sociedade brasileira ou por que as únicas referências populares são em relação a um filme famoso com uma criança indígena, músicas infantis que citam “indiozinhos” ou a uma oca que viram representada na escola”.

São tantos os nossos ativismos: lutamos pela terra, demarcações, preservação da cultura, territórios, proteção à natureza, direito de existir, modos de vidas diversos, morada e outros elementos essenciais que fazem parte do bem viver. Em meio a essas lutas, também desejamos melhores condições de vida, autonomia e mais oportunidades nos espaços que estamos inseridos.

Sob um olhar coletivo, com trocas riquíssimas (que se intensificaram durante a quarentena), o ativismo na moda tem mudado a lógica de referenciais eurocêntricos presentes na indústria. Junto com outros criativos indígenas, subimos a hashtag
#descolonizeamoda, por onde propomos maior visibilidade da beleza originária no Brasil.

“É um sonho fazer parte de algo que construa representatividade. Torço para que mulheres indígenas se enxerguem em meus traços e se sintam bem, com autoestima elevada. Torço pela valorização de nossa existência, culturas e por uma moda real, que reflita o nosso país”, diz
Jéssica Ribeiro, modelo new face indígena pertencente ao povo Kamurape (Rondônia).

Dayana Molina, no Instagram @molina.ela, é ativista indígena e stylist.

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